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Meu processo com as fibras vegetais

A primeira coisa com que preciso me preocupar é em colher as plantas. Para isso eu não posso simplesmente retirar a planta da natureza de qualquer jeito e nem em qualquer momento. Precisamos respeitar a natureza, em primeiro lugar.

Diante dos saberes populares, de pessoas muito especiais com conhecimentos da natureza e de uma cultura que preserva e aprecia o trabalho com as fibras vegetais e depois de muitas experimentações, a própria natureza foi mostrando o melhor momento da colheita.

E esse momento certo é relacionado às fases da lua. Assim como o mar com sua maré alta ou baixa se relaciona com a lua, como no campo com a poda, colheita, plantio e castração de animais, com as plantas que utilizo não poderia ser diferente.

Os velhos homens do campo nos ensinaram que na lua nova, a seiva se concentra no caule e nas raízes, enquanto no quarto crescente segue em direção às folhas. Na lua cheia temos a maior concentração, e na minguante corre em direção ao caule e raízes.

É então na lua minguante que as plantas estão no seu melhor momento para a colheita. (a fase da lua depende da finalidade com que você pretende utilizar a planta/fibra.).

Sendo assim, na lua minguante o corte/colheita da planta é quase seco e o apodrecimento também é mais lento, sendo sua conservação de melhor qualidade.

Esses são fatos que a ciência não explica, ela tenta comprovar, mas ainda não conseguiu. São conhecimentos passados de geração em geração, por pessoas muito sabias e que conhecem e conheceram a natureza como a palma da mão, vivendo da natureza, na natureza.

Também com referências no conhecimento popular, existem as plantas que se dizem de ‘’três dias’’ ou de ‘’sete dias’’ como indicador para o melhor período para a sua colheita seguindo a lua minguante. E dentro desse período ainda posso colhe-la tranquilamente.

Plantas de três dias: um dia antes da lua minguante, o dia da lua e o dia após a lua

Plantas de sete dias: três dias antes da lua minguante, o dia da lua e três dias após a lua

As plantas com maior concentração de líquidos são plantas de sete dias, enquanto as menos robustas de três dias.

Seguindo assim, com uma colheita feita corretamente, estou aproveitando o que é chamado de lixo vegetal. O lixo vegetal nada mais é do que aquela folha mais envelhecida, a bananeira que já deu seus frutos, ou partes das plantas que posso retirar sem que prejudique seu crescimento e reprodução.

Com isso, sabendo colher da forma correta aproveito cada pequena parte dessa riqueza da natureza que há em cada planta, vejo de perto suas diferenças, suas forças, suas potências, características de cada uma, tão únicas.

Cada planta vai me proporcionar uma fibra diferente.

Cor, tamanho, resistência, maleabilidade, cheiro. Cada uma é de um jeito.

A fibra da planta nada mais é do que uma estrutura, uma cadeia de celulose, que dá sustentação ao corpo do vegetal distribuídas em forma de feixes, redes.

O termo fibra pode indicar tanto uma estrutura simples, unicelular como o algodão, ou feixe de tecidos multicelulares, que formam uma cadeia como a bananeira.

Posso encontrar as fibras em sementes, caules, folhas, frutos e raízes desses vegetais.

Semente: algodão, rumaúma, serralha
Caules/ cascas/hastes/madeira: lírio-do-brejo, linho, juta, rami, cana, bambu, cânhamo, taquaraçu, imbaúba
Folha: babaneira, sisal, tucum, ráfia, abaçá
Fruto: paina, côco
Raíz: zacatão

Depois de realizar a colheita da planta é preciso cortá-la em pedaços regulares (3x3cm aproximadamente) e coloca-la de molho em água para que ela hidrate bem por pelo menos 24h.

Depois dela ter hidratado bem, a escorro e levo para ir para o cozimento.

Em uma panela de inox (para que não haja interferências do material da panela no cozimento do vegetal) coloco a planta picada e cubro com água. A quantidade de água depende da quantidade de planta picada. Sinto ao mexer com uma colher de pau, se estiver difícil de mexer, preciso adicionar mais água. Precisa ser confortável para conseguir mexer a planta na panela. É como cozinhar uma sopa, e sentir se precisa de mais ou menos caldo.

Para acelerar o processo de cozimento adiciono soda cáustica, que usada com seus devidos cuidados e proporções é uma grande aliada. Ou então posso usar a decoada, que é a água transpassada pela cinza de certos vegetais, e para esse caso precisaria de uma decoada forte.

Após levantar fervura, conto 2 horas e desligo o fogo.

O processo de cozimento é muito importante, é quando a fibra vai se desprender do resto da planta, da chamada lignina, e outras substâncias orgânicas. E todo o processo de colheita, na lua e da maneira certa auxiliam e dão o melhor resultado para esse momento, para a fibra se desprender com mais facilidade do resto da planta.

Caso eu não tenha a panela e o fogo, o processo para esse mesmo resultado é o de podridão da planta, deixando-a de molho em água por muito muito tempo. Por isso também posso deixar a planta, depois de colhida e picada de molho por bastante tempo antes de cozinhar que não haverá problema.

Planta cozida.

Preciso esperar esfriar a panela para poder separar todo o vegetal da água, e sempre ficar atenta pois essa água está alcalina, e para descartá-la corretamente preciso neutraliza-la com ácido acético.

Toda a planta que cozinhou ainda tem a forma dos pedaços cortados, mas está toda solta, o volume diminuiu mas a lignina ainda não se desfez por completo e me revelou a fibra. Por isso preciso agora liquidificar e lavar essa planta para então sobrar apenas a fibra.

O liquidificador que uso para esse caso tem as lâminas cegas, pois eu não quero que ele pique a planta, mas sim que apenas termine de desprender a fibra.

Assim que liquidifico a planta que foi cozida tenho que lavá-la, e é nesse momento, lavando numa espécie de peneira, que sai por completo toda as impurezas e fica apenas a fibra, a fibra agora pronta para o uso.

E depois de todo esse processo ainda avalio como está a fibra, caso a lignina ainda não tenha saído por completo ou se a fibra ainda está muito dura preciso voltar a cozinhar, tudo do mesmo jeito, repetindo quantas vezes forem necessárias para obter uma fibra limpa e do jeito desejado. Isso vai depender muito de qual planta que foi cozida, se foi colhida corretamente, de qual parte da planta que é... cada uma tem seu tempo.

Depois que a fibra está pronta, posso guardá-la molhada ou seca. 
Molhada, num balde com água e com antifúngico na superfície por precaução. E seca, dentro de qualquer tipo de recipiente.

Agora o que fazer com essa matéria prima tão rica, tão bonita? 

O processo mais comum e com o que iniciei esse trabalho é o do papel artesanal, ou papel vegetal que são retiradas camadas de fibras entrelaçadas criando as folhas de papel.

Mas, quando entendi que eu poderia criar com essa massa de fibra,  peças, objetos, transformar esse papel em tridimensional foi então que decidi criar essas pequenas esculturas de planta e usá-las como amuletos, acessórios, joias e enfeites. 

Meu trabalho então ganhou um propósito, uma direção. E fui, junto da Joice, testando, pesquisando possibilidades de materiais que me ajudassem a realizar essas joias.

Foram muitos testes de moldes, de quantidade de CMC, de formatos, tamanhos, impermeabilizante, até chegar no resultado que tenho hoje, e que ainda (e sempre) está em transformação. 

Foi modelando a fibra com CMC, que cada uma me apresentou um desafio para a criação das peças, umas mais tranquilas de trabalhar, outras nem tanto. Como ao criar uma forma simples redonda por exemplo, eu preciso que as fibras se organizem, que conversem e com bastante movimento e paciência, amassando uma pequena quantidade de fibra com essa baba que é o CMC vou organizando e unindo essas fibras no formato que desejo. Mas, não é tão simples assim, é ela que manda, é ela que esta entrelaçada de uma forma que as vezes ela não quer entrelaçar diferente, ela vai criando seus próprios caminhos e eu vou tentando conduzi-las para o formato que eu escolho com muito trabalho, muito movimento, repetição, criando  as formas até a mão doer, não aguentar mais e chegar a parar.

Mas vou criando então uma coleção de pequenas esculturas dispostas em bandejas, ou qualquer outra superfície para elas irem secando e criando resistência. Vou visitando essa coleção no passar dos dias, esperando o momento certo que elas estejam completamente secas.

Depois de secas observo se não há nenhuma irregularidade indesejada, e caso tenha posso lixar a peça até atingir o estado que quero e em seguida passo o impermeabilizante para que elas fiquem impermeáveis.

Agora as peças estão finalizadas, prontas para se transformarem nas joias.

No momento da montagem das joias que observo e decido onde vou fazer um furo nas peças, como vou conseguir juntá-las, quantas, quais. aqui ou ali.

Uma série de decisões.

O que pra mim é como se fosse um obstáculo, não consigo tomar decisões com rapidez, preciso ir maturando as questões para fazer uma boa escolha. Mas quando me percebo assim tento logo agir, sair dessa inércia para ir pra frente.

Aquela coleção de peças soltas agora se organizam em conjuntos escolhidos por mim formando as joias, vezes os semelhantes que se unem, vezes os mais distintos, vou pela cor, formato ou as vezes elas se unem sozinhas e observo e produzo.

Cada peça carrega um pouquinho daquela natureza de onde a planta genitora da fibra estava enraizada. Cada uma tão única., tão especial.

Eu tenho algumas peças que foram me escolhendo, que agora são como meus amuletos, são as minhas joias, estão sempre comigo, sempre por perto. Amuletos de energia. Minha forma de conexão.

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